Despindo o Preconceito após o diagnóstico de Câncer - Por Filipe Inteiro

Data de publicação: 08/03/2024

"Nascido em França no ano de 1987 e filho de pais emigrantes, foi aos 10 anos que vim viver para Portugal. Sempre fui uma criança dita saudável até que a minha vida tomou um rumo inesperado quando, aos 18 anos, fui diagnosticado com um cancro intestinal - carcinoma. Aquilo que poderia ter sido uma queda para o desespero tornou-se, anos mais tarde, o catalisador para o meu projeto de mestrado.

Este diagnóstico não foi imediato. Inicialmente foi-me dito que seriam cólicas, mas as dores foram aumentando de dia para dia até ir parar às urgências e ficar em observação durante várias horas. Os médicos desconfiavam que pudesse ser apendicite pelos sintomas, no entanto as análises contrariavam essa ideia.

Apesar dos desafios que enfrentei desde várias cirurgias até à remoção de 26 centimetros de intestino e emagrecendo 14 quilos em pouco mais de uma semana, mantive-me firme na cura. O cancro deixou várias marcas, tanto físicas como emocionais. Não foi um processo fácil. Vivi durante vários anos com vergonha das minhas cicatrizes escondendo, o quanto possível, o que me tinha acontecido ao ponto de lidar mal com a exposição pública do meu próprio corpo. Todavia esta doença também me concedeu uma perspectiva única sobre a vida e sobre a importância de combater o estigma e a vergonha associados a esta doença.

Foi durante o meu mestrado em Design de Comunicação na Faculdade de Arquitetura de Lisboa e aproveitando a minha paixão pela fotografia que em 2012, nasceu a campanha "Despir o Preconceito".

O objetivo era claro: fotografar mulheres em tratamento oncológico, captar a força e coragem mesmo nos momentos de maior fragilidade. Essas sessões fotográficas, realizadas logo após algumas delas saírem diretamente de sessões de quimioterapia no IPO (InstiItuto Português de Oncologia), tinham como intuito mostrar que, apesar do tratamento, a beleza e a vontade de viver permanecem inabaláveis. Juntamente com as fotografias captadas foram esboçadas, algumas frases motivacionais, tais como:

“TER CANCRO NÃO É SER CANCRO”

“O RISO É A MINHA QUIMIOTERAPIA NATURAL”

“SOU CARECA, MAS SOU FELIZ!”

“SE DAVA NAS VISTAS COM CABELO...IMAGINA-ME, AGORA!”

“CANCRO, COMIGO PIAS BAIXINHO!"

“OS DESAFIOS MAIS DIFÍCEIS SÃO PARA OS FORTES”

“SE PUDESSE SER OUTRA PESSOA, SERIA EU OUTRA VEZ” “VINGO-ME DO CANCRO, RINDO-ME DELE”

“COLECCIONO SORRISOS”

“DECIDI SER FELIZ EM TODOS OS CONTEXTOS”

“SORRIR É A MINHA IMAGEM DE MARCA”

“CANCRO, SE FOSSE A TI, FUGIA!”

A campanha "Despir o Preconceito" teve um enorme crescimento e expandiu-se pelos meios de comunicação social. Com a colaboração de várias instituições e de várias pessoas ligadas a iniciativas oncológicas foi possível realizar várias ações de sensibilização como entrega de donativos, recolha de lenços, palestras de sensibilização em escolas secundárias, etc. O reconhecimento público foi muito além das minhas expectativas, comecei a receber convites de câmaras municipais de várias cidades portuguesas para colocar o meu projeto nos muitos expositores de rua espalhados pelo país.

Cada entrevista concedida, cada mostra pública da campanha, foi uma oportunidade para desafiar os estereótipos e inspirar outros a enfrentarem o cancro com coragem e dignidade. Acredito firmemente que, ao despirmos o preconceito, podemos criar uma sociedade mais informada, solidária e acolhedora para aqueles que enfrentam esta doença.

Foi neste seguimento que em 2015, conheci a Flávia Flores e o seu projeto Quimioterapia e Beleza e, unindo esforços, conseguimos entregar centenas de lenços à Liga Portuguesa Contra o Cancro, provenientes de uma angariação conjunta. Ampliamos assim a nossa voz e impacto na luta contra o preconceito e na promoção da conscienIzação sobre o cancro.

Toda esta jornada foi para mim uma aprendizagem e um processo introspectivo. Aceitar as limitações físicas resultantes das intervenções cirúrgicas foi um caminho longo e demorado, mas ao olhar para estas jovens mulheres e entendendo que não haveria qualquer motivo para sentirem vergonha do próprio corpo, mutilado pela doença, teve reflexo em mim dando-me confiança no meu próprio processo de aceitação.

Hoje em dia, passados 18 anos do diagnósIco, continuo esta minha caminhada no mundo das artes e do design e sou responsável pela comunicação, imagem e linha gráfica duma Instituição de Ensino Superior - ISCAL - Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa, mas mantenho a vontade de continuar a lutar contra o preconceito."

*Relato original do Filipe Inteiro - escrito em português-Portugal

- Filipe Inteiro @filipeinteiro


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